Há um assunto que tem ocupado muito espaço nas pregações e músicas
cristãs: a questão da unção espiritual. Esta é às vezes chamada por unção
ágape, unção de Deus, unção profética, unção do leão, unção de Davi, etc.
Os que ensinam sobre este tema, na maioria das vezes, denominam “unção”
como uma capacidade sobrenatural para se desempenhar o trabalho de Deus; ou um
poder do Espírito Santo capaz de destruir fortalezas e amarras espirituais; ou
ainda um símbolo da presença do Espírito Santo que dá autoridade ao que a tem.
Em síntese asseveram que a unção é uma espécie de selo, de marca
espiritual, que distingue os crentes uns dos outros, pois, segundo afirmam, nem
todos a tem. É como se está “unção” dividisse os crentes, os pregadores, os
pastores, em espirituais e não espirituais, em consagrados e não consagrados,
em especiais e não especiais.
No entanto, não devemos nos ater às definições dos homens. Antes devemos
ver o que a Bíblia nos ensina sobre este termo. É na Palavra de Deus que temos
segurança para analisar todas as coisas. Assim, busquemos nela a direção para
entendermos o que significa unção espiritual:
I – A UNÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO
No Antigo Testamento pessoas e coisas eram ungidas, o que significava que
eram separadas para o serviço exclusivo do Senhor. Eram ungidos os escudos (2.
Sm 1.21; Is 21.5), as colunas (Gn 28.18), o tabernáculo e seu mobiliário (Êx
30.22 e sgs), os reis ( Jz 9.8; 2 Sm 2.4; 1 Rs 1.34), os sacerdotes (Êx 28.41),
os profetas (1 Rs 19.16). Naquele contexto quando pessoas ou coisas eram
ungidas elas eram consideradas santas, separadas para um propósito especial de
Deus.
Algumas vezes a unção simbolizava o derramamento do Espírito Santo que
equipava uma pessoa para o trabalho de Deus (1 Sm 10.1,9; 16.13; Is 61.1; Zc
4.1-14). Foi neste sentido que a prática da unção foi também empregada no Novo
Testamento. O uso de azeite para ungir enfermos (Tg 5.14) é entendido como algo
que aponta para o Espírito Santo na vida do doador dela.
II- A UNÇÃO NO NOVO TESTAMENTO
Quando chegamos no Novo Testamento não há mais a unção em objetos, nem
pessoas para designa-las para um trabalho. Aqui somente os enfermos são ungidos
com óleo ( Tg. 5.14). Cerimonial este que aponta para a operação do Espírito
Santo na vida dos que recebem a oração. Portanto não há nenhum suporte bíblico
para hoje se ungir objetos e coisas (casas, carro, alianças, templos) ou
pessoas, com exceção dos enfermos, caso este queiram. Lembrando que a oração da
fé é que ajuda o enfermo em sua recuperação, não o óleo (Tg. 5.15).
No Novo Testamento a palavra unção aparece apenas 03 vezes, como vemos
nos textos que seguem:
1 João 2.20 – E vós possuís a unção que vem do Santo e todos tendes
conhecimento.
1 João 2. 27 – Quanto a vós outros, a unção que dele recebestes permanece
em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a sua
unção vos ensina a respeito de todas as coisas, e é verdadeira, e não é falsa,
permanecei nele, como também ela vos ensinou.
Assim, a nossa compreensão do que significa unção no Novo Testamento deve
ficar restrita a estes textos, visto que nenhum outro autor falou sobre esta
palavra. E o que estes textos nos ensinam a respeito do que significa unção?
Vejamos:
1 - No contexto destes versos João nos informa que há enganadores e
espíritos de anticristos tentando desviar os salvos do caminho da verdade e do
ensino apostólico (v. 18- 26). Mas que em virtude da unção que todos os salvos
haviam recebido, eles seriam capazes de discernir a divisão que estava
acontecendo na igreja e o espírito de mentira que pairava sobre a comunidade
cristã. Assim os salvos teriam o auxílio da unção que receberam para analisar
todas as coisas e permanecer firmes em Cristo (v. 27 e 28).
2 - Esta unção citada por João não pode ser outra senão a própria
presença do Espírito Santo na vida dos crentes. O artigo que aponta para a
unção é definido: a unção. Esta daria sabedoria aos crentes para fazerem o
julgamento necessário: a sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas.
Vejamos como estas palavras correspondem ao ensino do Senhor Jesus sobre a
atuação do Espírito Santo em nós: Mas o consolador, o Espírito Santo, a quem o
Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar
de tudo o que vos tenho dito (João 14.26). Esta palavra se refere ao dom do
Espírito Santo. Este, conforme Jesus, nos ensina todas as coisas. Há uma
semelhança entre as promessas destes dois textos.
Neste sentido não é correto dizer que precisamos de uma nova unção pois
seria o mesmo que dizer que precisamos de um novo batismo com o Espírito Santo,
o que não é possível acontecer. Podemos sim ser revestidos e fortalecidos no
Espírito Santo para o desenvolvimento do trabalho de Deus ( Rm 13.14; 2 Tm
4.17; Cl 1.11), mas jamais seremos batizados com o Espírito Santo uma segunda vez.
3 - A unção não é algo que separa os crentes entre espirituais e não
espirituais, ou com poder e sem poder, ou mundanos e consagrados. A unção aqui
é o próprio batismo com o Espírito Santo, do qual todo salvo é participante a
partir da conversão, pois quem não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é de
Cristo (Rm 8.9). Ao falar desta unção, que é o Espírito Santo habitando no
crente, João afirma que todos os seus leitores, os crentes aos quais ele
endereçava a sua carta, já a possuíam (v.20). Não era um dom apenas para
alguns, mas para todos os salvos. De fato o Espírito Santo não cria categorias
de crentes dividindo-os em classes espirituais. O Apóstolo Paulo nos ensina
exatamente o contrário nos textos que se seguem:
Efésios 4.3-6:
Esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no
vínculo da paz; há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados
numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo;
um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está
em todos.
Gálatas 3.27-28:
Porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos
revestistes.
Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem
homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.
4 - Se no Antigo Testamento havia um chamado especial para o sacerdócio,
o qual era oficializado com a unção com óleo (Êx. 28.41), no Novo Testamento,
na nova aliança, todos os salvos são sacerdotes.
Nas três citações onde aparece a palavra sacerdote, se referindo ao
ministério dos crentes, no Novo Testamento, ela tem o sentido de ser um
ministério de todos os salvos e não somente de alguns. Vejamos por exemplo os
seguintes textos:
1 Pe 2.9:
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de
propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que
vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;
Ap. 5.10:
E para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre
a terra.
Ap. 20.6:
Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição;
sobre esses a segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão
sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele os mil anos.
Assim, todos os crentes foram ungidos e separados para a obra de Deus. Se
torna então errado destacar alguns assegurando que apenas estes têm a unção de
Deus.
Há vários desdobramentos desta verdade, um deles é que no Novo Testamento
não existe a figura de um levita, como são chamados hoje os que ministram o
louvor. Um levita era um sacerdote no Antigo Testamento; no Novo Testamento
todos são sacerdotes, assim é errado separar um grupo e o denominar de
“levitas”. Não há uma só menção no Novo Testamento a um grupo que possa se
denominar se denominar como levitas.
Uma outra distorção é o fato de algumas pessoas praticarem o que chamam
de “transferência de unção”. Como se existissem algumas pessoas especiais que
podem transferir a outros o seu poder, invocando para isso o episódio de Elias
e Eliseu como referência. Assegurando que assim como Elias transferiu a sua
autoridade e poder ao seu discípulo Eliseu, eles também o fazem. Tal atitude
demonstra primeiramente uma falta de conhecimento o que de fato aconteceu no
caso dos dois profetas, ignorando que a autoridade dada a cada um deles veio
diretamente de Deus e não do homem. Além disso não se pode fazer uma doutrina
sobre transferência de unção baseado em fatos isolados como este e nem baseado
em qualquer outra porção das Escrituras, pois tal prática é desconhecida em
toda ela.
O que vemos na Bíblia é o discipulado, o ensino e o treinamento. Foi
neste sentido que escreveu o Apóstolo Paulo em 2 Timóteo 2.2:
“E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo
transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros”.
Parece que alguns, que não querem se sujeitar às práticas devocionais e a
um discipulado sério e muitas vezes demorado, preferem receber uma espécie de
“passe”, de “outorga” de autoridade e poder espiritual, mesmo não havendo
nenhuma possibilidade de tal acontecer. Ninguém tem o monopólio do Espírito
Santo que possa transformá-lo, em vez de um canal, em uma fonte de poder. Não
devemos nos esquecer do alerta do Apóstolo Paulo de que o tesouro que guardamos
em nossos corações está como que em vasos de barro. A excelência do poder vem
de Deus e não de nós ( 2 Co 4.7). Os que se arvoram a achar que têm algum poder
para transmitir aos outros se assemelham muito mais ao mágico Simão, que queria
o poder de impor as mãos e o Espírito Santo descer sobre as pessoas (At 8.19),
do que ao espírito dos Apóstolos que se negavam a receber qualquer
reconhecimento humano (At 3.12).
5 - Não nos esqueçamos que a principal obra do Espírito Santo na vida do
crente é levá-lo à santificação. Quanto mais santificados formos mais usados
pelo Senhor seremos. Então, se em vez de erradamente buscarmos as várias unções
pregadas por pregadores inaptos, como por exemplo a unção do leão onde os que a
buscam ficam de quatro, andando com se fosse um felino, buscássemos de joelhos
a purificação de nossos corações, o abandono do nosso pecado, seriamos, com
certeza seríamos mais abençoados e mais coerentes com a Palavra de Deus. Os
modismos passam, mas a Palavra do Senhor permanece eternamente. Firmemo-nos
nela e não nas fábulas e invencionices humanas (1 Tm 1.4; 4.7; 2 Tm 4.4; 2 Pe
1.16).
Não nos prostremos diante do trono da idiotice litúrgica de alguns, mas
diante do verdadeiro trono que governa o mundo, o trono de Deus (Ap. 4 e 5).
Como bem nos ensina João: Esta é a unção verdadeira e não falsa (2.27), pois o
Espírito Santo é o Espírito da verdade (1 Jo 4.6).
CONCLUSÃO
Conforme John Stott em seu comentário sobre este assunto,” o servo de
Deus tem duas salvaguardas contra o erro: A Palavra apostólica e o auxílio do
Espírito Santo, ambos recebidos na conversão. Assim a única segurança contra as
mentiras é ter permanentemente em nós tanto a Palavra que ouvimos desde o
princípio como a unção que dele recebemos, isto é, o batismo com o Espírito
Santo. É mediante estas duas antigas posses, não mediante novos ensinos ou
novos mestres, que permaneceremos na verdade”.
Existem dois meios pelos quais um homem pode perder sua alma. Ele pode
perdê-la por viver e morrer sem nenhuma fé. Como um ateu, um desiludido
espiritual, um humanista que não deposita a sua fé em nada e em ninguém; ou
pode perder a alma abraçando uma fé errada, não bíblica e não salvadora. Ele
pode perder sua alma por aceitar determinado tipo de fé. Ele pode viver e
morrer contentando-se com um cristianismo falso e descansando numa esperança
sem fundamento e em uma liturgia morta.
Este é o caminho mais comum que existe para o inferno. Uma fé inútil é
tão destruidora quanto uma ausência de fé. Ambas levam ao mesmo destino eterno.
A fé verdadeira terá como fundamento a Palavra de Deus e será embalada pela
doce presença do Espírito Santo que habita em nós desde o início, desde a
conversão. Esta é a verdadeira unção do Santo e não precisamos de nenhuma
outra.
Pr. Luiz César de Araújo.