Tinha Moisés a idade de cento e vinte anos quando morreu: não se lhe escureceram os olhos, nem se lhe abateu o vigor (Dt 34.7).
Moisés
sobe ao monte Nebo. Deus lhe mostra toda a terra da promessa, aquela que seria dada ao seu povo nos próximos meses
e anos. Após isso, ele morre, e como diz o texto acima: cheio de vigor. Ele
teria saúde para entrar naquela terra tão almejada; ele gostaria muito de
entrar visto que pediu isto ao Senhor algumas vezes (Dt 3.26); mas Deus não lhe
permitiu. Por quê não?
O
motivo primário é de fácil entendimento: Moisés havia ferido duas vezes, em vem
de uma, a rocha que daria água para o povo, em Meribá (Nm 20.2-13). Moisés
cometera um pecado simples, o de, enervado ir além do que o Senhor lhe
ordenara, que era bater na rocha uma só vez. Hoje, do lado de cá, vendo a
Bíblia como um todo, somos informados de que aquela pedra era Cristo e este só
morreria uma vez ( 1 Co 10.4). Tudo deveria ter sido feito no singular. É que
na posição que Moisés ocupava, o de representante de Deus, que conversava com
Ele face a face (Dt 34.10), este pecado era grave demais.
Alguns
pecados são mais graves do que outros. Jesus disse a Pilatos que o seu pecado
era menor do que o de Judas (Jo 19.11), por exemplo. Pecados de guias
espirituais são tratados com mais rigor, nos ensina Tiago dizendo que estes
líderes e mestres receberão maior juízo (Tg 3.1). Pronto, Deus é sempre justo e
está sempre certo em seu julgamento e atitude (Sl 51.4); não há o que reclamar.
Moisés, aqui, no monte Nebo, nos seus últimos momentos do lado de cá da
eternidade, não reclamou.
Mas
há um segundo plano que o texto em si não nos permite ver, mas o conjunto das
Escrituras nos estimulam a pensar. Moisés fora chamado para conduzir o povo até
a terra prometida, e agora, no Monte Nebo, ele via a terra. Daqui a pouquinho o
povo atravessaria o Jordão e tomaria posse deste lugar preparado por Deus para
o seu povo. Moisés cumpriu o propósito de Deus e isto já era, aos olhos do
próprio Deus, suficiente. A vontade de Deus foi plenamente cumprida. Existe
algo melhor do que isso, o de ser agende aqui na terra para cumprir a vontade
de Deus e viver inteiramente para obedecê-lo? Jamais. Então, ainda que por cima
da superfície Moisés morrera por causa de sua desobediência em Meribá, por
baixo dela, inicialmente podemos aceitar que ele partiu no tempo de Deus. Paulo
tinha este sentimento ao declarar que combateu o bom combate, encerrou a
carreira e guardou a fé (2 Tm 4.6-8). O verdadeiro relógio, que controla todas
as coisas, é o de Deus.
O
senso de que estamos aqui a serviço de Deus deve nos encher de alegria, bem
como de toda a resignação. Não importa a nossa vontade, os nossos sonhos, não
importa se temos mais geografia ou história para contar; estamos aqui para
satisfazer vontade de Deus e ficaremos aqui até o dia em que Deus entender que
o nosso trabalho terminou, independentemente se temos cento e vinte ou dez anos
de idade.
Há
um outro pensamento que podemos abstrair deste momento: Moisés perderia a
oportunidade e o prazer de entrar naquela terra pela qual tanto empenhara. Ele
deixaria de pisar naqueles vales e campinas que, conforme Deus, destilavam
leite e mel (Êx 33.3). Tudo parecia um grande prejuízo e uma grande frustração.
Era como um filme de final infeliz. No entanto, Deus é mais sábio do que Moisés
e de que todos nós juntos. Moisés, em última instância, estava sendo poupado
das maiores guerras, de enfrentar os piores inimigos. Coube a Josué, que tinha
um viés mais militar e mais vigor físico, terminar o trabalho, conquistando
povos, derrubando muralhas e eliminando clãs inteiras. Moisés, enquanto isso já
estaria nos braços do Senhor, naquele lugar onde de fato é a nossa verdadeira
casa.
De
certa forma a morte nos liberta de nossos pesadelos e dores. Descansar de
nossas fadigas é uma bênção para quem milita nesta terra (Ap 14.13). Moisés não
tinha nada a perder, pelo contrário, ganharia demais. Ele não entraria na
Palestina, mas entraria na presença maravilhosa de Deus, o mesmo Deus que ele
já havia visto, de forma diminuta, no Monte Sinai e no deserto. A luta
continuaria para Josué e o seu exército, para Moisés, contudo, estaria
reservada a coroa da glória. Compensa morrer assim. É incomparavelmente melhor morrer
e estar com Cristo, nos ensina Paulo (Fl 1.23). Não precisamos morrer velhos e desvalidos tão somente, podemos morrer
no vigor de nossa vida, na flor da idade, no melhor de nossa saúde; ainda assim
será sempre incomparavelmente melhor morrer e estar com Cristo.
Somos
informados pela história de que esta terra tão maravilhosa, que fazia Moisés
caminhar determinado para colocar o povo em cima dela, não tinha assim tanto
brilho. Por algumas vezes o povo de Deus foi desterrado dela, levado como
cativos para outros lugares. Aquela terra somente teve algum valor quando Deus
era o centro de tudo. Um lugar sem Deus não passa de um deserto seco. Onde Deus
não está não há alegria perpétua. Moisés, pelo contrário, entrou
definitivamente na verdadeira terra, na verdadeira cidade, naquele lugar onde
Deus será tudo em todos. Louvado seja o nome do Senhor.
Pr.
Luiz César Nunes de Araújo.