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Analisando a trajetória de
Davi verificamos com certa facilidade que a vida deste homem pode ser dividida
em duas partes bem distintas: antes e depois do seu adultério com Bate Seba.
Temos na narrativa bíblica dois homens, o primeiro cresce de maneira magnífica
em Israel, o segundo aponta para um moribundo tentando se manter vivo e no
reino.
Davi recebe muito de Deus na
primeira fase de sua vida. Ele é ungido, guardado, protegido, vitorioso em suas
guerras, um herói. Após sua queda sobrou apenas o espectro, o esqueleto do que
ele foi um dia. Na segunda fase de sua vida o vemos correndo de seus inimigos,
de seus fantasmas familiares, de suas crises. Em ambas as fases Deus o abençoou,
mas o preço que ele pagou pelo seu pecado foi grande demais. Não foi a idade
que o abateu, foi a sombra de seu pecado, a sua moral desgastada dentro de casa
e as consequências de seu erro principal.
Tomar posse da mulher de outro
homem e com dolo matar o marido desta mesma mulher, foi tomado por Deus como um
erro gravíssimo. Davi foi perdoado por Deus, conforme nos relata 2 Samuel 12.13
ao dizer: Também o Senhor te perdoou o teu pecado, não morrerás. Mas para quem
recebeu tantos privilégios e bênçãos, o mau praticado teria suas consequências:
Agora, pois, não se apartará a espada jamais da tua casa... Eis que da tua
própria casa suscitarei o mal sobre ti e tomarei tuas mulheres à tua própria
vista, e as darei a teu próximo... (2 Samuel 12.10-12).
Mesmo diante de tudo isso eu
gosto mais do segundo Davi. Este homem
moribundo e abatido chama mais a minha atenção. Eu me identifico mais com ele
do que com o herói de guerra. Este Davi do segundo tempo é mais dependente de
Deus, é mais cândido, é mais alma, é mais gente.
Foi nesta segunda fase que ele
escreveu os seus maravilhosos Salmos de aflição. O primeiro Davi, confiante
demais, dizia que passaria por cima de exércitos inteiros e saltaria muralhas
(Salmo 18.29); o segundo clama por Deus como se não pudesse fazer nada para se
livrar da morte (Salmo 86.6 e 7). O primeiro não levava desaforo para casa, o
segundo tremia até mesmo diante de seus próprios filhos.
Talvez por ter tido eu poucos
momentos em minha vida de presunção e empáfia e de não ter lembrança de ter
sido em algum momento herói de coisa alguma, é que me identifico mais com este
Davi da segunda fase. Suas crises se repetem em mim; seus medos são os meus.
Mas se repetem também a sua paixão por Deus, o seu desespero por andar na
presença do Senhor, mesmo sendo Ele pecador demais e Deus santo demais.
Ser santo e humano ao mesmo tempo é um
exercício diário de quem anda com Deus neste mundo tenebroso. Constantemente o
inimigo do lado de dentro (a nossa natureza caída), quer abrir a porta de nossa
vida para o inimigo do lado de fora (o mundo caído). Não fosse o Espírito Santo
em nós, não teríamos chance alguma de vitória.
Diz-nos Davi: Não fosse o
Senhor, que esteve ao nosso lado, Israel que o diga; não fosse o Senhor, que
esteve ao nosso lado, quando os homens se levantaram contra nós, e nos teriam
engolido vivos, quando a sua ira se
acendeu contra nós; as águas nos teriam submergido, e sobre a nossa alma teria
passado a torrente; águas impetuosas teriam passado sobre a nossa cabeça.
Bendito o Senhor, que não nos deu por presa aos dentes deles. Salvou-se a nossa
alma, como um pássaro do laço dos passarinheiros; quebrou-se o laço, e nós nos
vimos livres. O nosso socorro está em o nome do Senhor, criados do céu e da
terra (Salmo 124).
Impressionante pensar que
mesmo diante de tantas vicissitudes Davi foi muito amado por Deus e considerado
até hoje o maior dos reis de Israel. De fato, onde abundou o pecado,
superabundou a graça (Romanos 5.20). Aleluia!
Que bom que em Cristo Jesus,
mesmo sendo pecadores, somos também considerados mais que vencedores, porque
Ele nos amou (Romanos 8.37); somos chamados de amigos do Salvador Jesus (João
15,14) e de herdeiros de uma herança celestial eterna (Romanos 8.17). Não fosse
Jesus ter pagado o preço do nosso pecado na cruz do calvário, não haveria
esperança alguma para gente como nós.
Penso que devemos lutar como
Davi para vencer nossas guerras, especialmente contra o pecado, mas devemos
também correr desesperadamente para Deus, em oração sincera e contrita, na
mediação de Cristo Jesus que nos chama (Mateus 11.28), quando a nossa
humanidade mais se aflorar, quando o velho homem que habita em nós buscar o
controle de nossa vida. Que Deus nos ajude, a como Davi, ser vitoriosos mesmo
em meio a tanta fraqueza que habita neste homem santo e humano, forte e fraco
ao mesmo tempo.
Entrega o teu caminho ao
Senhor, confia nele, e o mais ele fará (Salmo 37.5).