Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes. Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.
Se
fizermos uma leitura desta porção de traz para frente iniciaríamos com um
mandamento praticamente impossível de se cumprir, o de sermos perfeitos como o
nosso Pai Celeste (v.48). E quem nos dá esta ordem é o próprio Senhor Jesus.
Mas como Ele nos daria uma ordem desta? Ele não conhece a nossa natureza
pecaminosa? Ele não conhece as nossas limitações? Claro que sim. Mesmo assim
Ele nos ordena a ser perfeitos como Deus.
Quando vamos para o que Jesus pede de nós, parece também ser algo impossível.
Não
resistir ao perverso, dar a outra face, andar mais uma milha, dá a quem nos
pede, amar os inimigos, orar pelos perseguidores, cumprimentar gentilmente a
todas as pessoas. Tudo isso parece difícil demais para gente tão pecadora como
nós, mesmo habitando em nós o Espírito Santo.
Mas
este verso 48 nos ajuda: Nós nunca seremos perfeitos como Deus, mas Ele é o
nosso alvo. Certamente não conseguiremos cumprir estes mandamentos na íntegra o
tempo todo, mas este deve ser o alvo.
Jesus,
neste Sermão do Monte vem fazendo um paralelo entre o que os homens comuns, os
homens da lei, os homens da tradição fazem e ensinam, em contraposição ao que
os seus filhos devem fazer. O nosso referencial é alto demais. Talvez nós nunca
alcancemos o padrão de Deus descritos aqui, mas este padrão deve ser sempre o
nosso alvo. Se não fizermos assim nunca teremos alcançado o padrão divino. De
fato, este sermão nos humilha e nos coloca sempre na posição de devedores, de
falhos, de pecadores demais. Este sermão não permite em nós a vaidade, a
soberba. Ele é o exemplo do que Jesus falou do servo que após ter feito tudo o
que devia, recebeu do seu Senhor a seguinte palavra: Servo inútil (Lc 17.10).
Somente
nesta perspectiva é que conseguiremos entender este sermão. Ele é o alvo maior,
o mais santo, o mais alto, o mais sublime. Nós nunca o alcançaremos em sua
plenitude enquanto pecadores, mas Deus não abaixa o seu padrão. Não olhamos
para os homens, os fariseus, as tradições; olhamos para o nosso Pai Celeste,
que é perfeito, cujo alvo para os seus filhos é que eles sejam também
perfeitos.
E quais são os desafios que temos nesta porção das Escrituras? É o desafio de responder positivamente à oposição, aos inimigos e aos adversários.
Qual é o
alvo maior de Deus para os seus filhos quando se trata de oposição? Vejamos
três alvos:
I-
O PERDÃO EM VEZ DA VINGANÇA (38-42).
A lei
tinha padrões de paridade de vingança muito claros. Fratura por fratura, olho
por olho, dente por dente. Se alguém causar defeito em seu próximo, como ele
fez, assim lhe será feito (Lv. 24.20). A vingança era proporcional, mas era um
direito.
Mas
agora Jesus nos dá um padrão difícil, mas que nos assemelha mais ao nosso Pai.
Ele diz que podemos não resistir ao perverso, dar a outra face para ser ferida,
dar a capa para quem quer nos tirar a túnica, andar uma milha a mais com quem
nos obriga a andar uma e a emprestar a quem quer emprestado. São padrões muito alto. O mais fácil dentre
estes é o de emprestar e o de ofertar (v.42).
Tem
muita gente capaz de doar e emprestar, mas não conseguem pagar o mal com o bem,
não conseguem levar desaforo para casa, não conseguem perdoar.
Eu
quero repetir um pastor presbiteriano bem conhecido: Eu não consigo viver isso.
E talvez nem sempre seja simples viver isso, mas é o alvo.
Não é
simples porque cada caso é um caso. Vejam por exemplo o Apóstolo Paulo. Ele não
renunciou a sua cidadania romana diante dos seus acusadores. Estes tiveram que
vir pessoalmente se retratar (Atos 22.28-30). O que devemos notar aqui que é
uma resistência de Paulo ao Estado, não a pessoas.
Não
tendo nós direção bíblica e divina se devemos reagir no grau da ofensa,
devemos, ainda que com muita dificuldade e prejuízo, buscar nos adequar a esta
ordem de Jesus. É melhor perder coisas materiais do que a boa consciência para
com Deus. Devemos na medida de nossas forças, perdoar em vez de vingar.
Sobre
dar a quem nos pede, por exemplo, não é tão simples. Talvez Jesus esteja se
referindo a pedidos para comida, como era comum a pessoas pobres. Devemos ir
até onde podemos neste mandamento.
Sobre
emprestar e não somente doar Champlin nos ajuda como o seguinte pensamento:
Emprestar é melhor do que dá pois lisonjeia menos a nossa vaidade, suaviza o
constrangimento de quem recebe e não encoraja a preguiça.
Em
resumo podemos dizer que a lei do Estado nos protege, nos dá o direito de
receber na medida em que fomos feridos por alguém, no entanto, há uma lei maior
que nos rege, mais dura, mais difícil, mas que se a cumprirmos, em parte ou no
todo, agradaremos muito a nosso Pai celeste.
II-
O AMOR EM VEZ DO ÓDIO (5.43-48).
O
Judeu sempre considerou o não judeu, o gentio como um inimigo. Eles foram
expulsos de Roma porque os não judeus os achavam presunçosos. Eles odiavam a todos.
Ódio geral a todo o mundo (odium generis mundi), diziam eles. Eles poderiam cumprir bem o verso 43 e amar ao
seu próximo, mas nutriam um ódio enorme pelos gentios. Daí ser tão difícil para
Jonas evangelizar os assírios e tão difícil foi para Pedro evangelizar
Cornélio.
É
fácil para nós o amor cristão. Amamos uns aos outros, nos confraternizamos, nos
unimos em retiros e celebrações, ajudamos uns aos outros na maioria das vezes.
Agimos em cumprimento à Palavra de Deus nos amando e cuidando uns dos outros, e
fazemos bem ao fazermos assim. Mas é difícil o passo seguinte.
Agora
Jesus ensina algo além das forças humanas. Ele ensina três dimensões que nos
parecem longe demais da natureza pecadora, que são:
1-Amar
ao inimigo - Aqui não é tolerar o inimigo, ou algo parecido. O verbo usado
aqui é “ágape” (agapate). Esta expressão não significa apenas “não detestar” o
inimigo, mas é uma ação positiva de amá-lo. É fácil amar os nossos, mas isto não traz
recompensa alguma (v.46). Amar ao irmão é um mandamento primoroso do Senhor
Jesus, mas amar ao inimigo faz a nossa alma se render completamente à vontade
de Deus.
Temos
poucos exemplos humanos desta prática, mas temos um divino: Deus amou o mundo
(João 3.16). Deus nos amou quando éramos ainda pecadores e inimigos. Jesus nos
acolheu quando estávamos separados dele pelo pecado. E mesmo quando pecamos,
quando o desagradamos demais, Ele nos perdoa (1 Jo 1.9). Por isso Jesus disse
que quem fizer assim como Ele ensina não se torna semelhante a Buda, a Gandhi,
a Dalai-lama, a Madre Tereza de Calcutá. Quem agir assim se tornará mais
semelhante ao Pai Celeste. Que desafio nós
temos meus irmãos, não é mesmo?
Quem
sabe, após ouvirmos isso, tomemos o cuidado e a providência para amar mais e
especialmente amar aos que nos tratam mal e nos veem como inimigos.
2- Orar
pelos perseguidores – Vejam outra montanha. É fácil orar por quem ora por
nós, por quem nos ama. É fácil interceder pelo nosso povo, o povo de Deus. Mas
agora Jesus nos diz que devemos orar pelos nossos perseguidores. E Ele nos dá o
exemplo. Na cruz do Calvário Ele orou pedindo ao Pai que não imputasse pecado à
gente que o pregava na cruz. Disse Ele: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o
que fazem (Lc 23.34).
Em Romanos 5.8- 10 lemos: Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de
ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo, muito mais
agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da
ira. Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus
mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos
pela sua vida;
Estêvão
também orou pelo bem dos que o apedrejavam (Atos 7.59). Talvez Jesus tenha
colocado a oração depois do amor ao próximo por um motivo especial. Se acharmos
difícil amar aos inimigos, devemos começar a orar, mesmo sem amor algum. O amor
nasce no coração de quem ora.
3- Cuidar
de todos (v. 47) – Aqui Jesus parece ter amenizado o discurso. Não é difícil para a nossa geração, que tem
muito de inteligência emocional, saudar a todos. Somos uma geração educada. Mas
não era fácil para um judeu saudar um romano que o dominava e lhe arrancava os
impostos. A ideia não é somente a de saudar, mas a de tratar bem. Nos tornamos
semelhantes ao Pai celeste quando cuidamos das pessoas, quando lhes fazemos
bem, quando as recebemos, quando suprimos suas necessidades. Deus faz isso o
tempo todo. Ele derrama a sua graça comum, Ele manda chuva sobre todos, Ele
manda o sol e chuva sobre todos. Ao falar isso Jesus está indo além da
saudação. Ele quer que, na medida do possível, na nossa limitação, sejamos instrumentos
da graça comum de Deus. Nós podemos ser instrumentos de Deus para o cuidado de
sua criação e até de suas criaturas.
Conclusão –
Nada aqui nos é fácil, mas que o Deus perfeito nos ajude; que o Deus amoroso
que enviou seu Filho para morrer na cruz por nós, nos ajude. Que o Espírito
Santo nos quebrante, nos habilite para uma vida assim. O mundo tem um padrão,
um modelo, mas no nosso é o próprio Deus. E se Ele pede isso de nós, pode
parecer difícil, mas não é impossível. Ele é quem opera em nós tanto o querer
como o realizar (Fl 2.13).
Nós
podemos orar por isso, podemos confessar a Deus nossa incapacidade de viver
assim, e podemos pedir que Ele nos ajude em nossa fraqueza.