LIDANDO COM O RESSENTIMENTO
O Senhor Jesus chama todo homem à felicidade, a uma vida
abundante e realizada: Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo.
10:10). No entanto esta vida feliz e abundante encontra obstáculos e dentre
eles está o ressentimento.
O ressentimento foi descrito por Marx Scheler como uma
intoxicação psíquica (1). É um veneno que ministramos a nós mesmos. E como todo
veneno precisa de antídoto e o envenenamento de tratamento apropriado.
Carlos Baudelaire descreve o ressentimento como um licor
muito precioso, um veneno muito caro, porque é feito de nosso sangue, de nossa
saúde, de nosso sono, e de dois terços de nosso amor-próprio (2).
Mesmo sabendo de suas conseqüências ficamos ressentidos,
quase sempre involuntariamente, isto é, sem que cognitivamente o queiramos. O
ressentimento é quase sempre injetado em nós de forma subjetiva, sem que a
razão o obstrua inicialmente.
O nosso objetivo então é discernir a natureza deste veneno,
chamado ressentimento e principalmente nos determos no antídoto, na cura, que vem
pelo perdão.
1 – COMO NASCE O RESSENTIMENTO?
O ressentimento é a resposta que damos a uma ação contra
nós, seja ela objetiva ou subjetiva, real ou imaginária. Uma ação objetiva é
direta, facilmente observada e muitas vezes física ou verbal, como calúnia ou
difamação. A subjetiva vem de maneira discreta e às vezes em forma de omissão.
A forma real de ação contra nós é quando a agressão aconteceu, tem fatos concretos,
lugares específicos, tem rosto e nome. A forma imaginária é quando nutrimos um
sentimento negativo contra alguém por interpretarmos erradamente uma ação em
relação a nós, que talvez o próprio autor da ação desconheça.
Diagnosticar a natureza deste ressentimento, se é objetiva,
subjetiva, real ou imaginária, já é o primeiro passo para a cura.
O que envenena as nossas emoções não são propriamente as
ações contra nós, mas a resposta que damos a elas. É uma forma negativa de
reagir.
Covey afirma que não é o que os outros fazem nem os nossos
próprios erros que nos prejudica; é a nossa resposta a eles. Se perseguirmos a
cobra venenosa que nos mordeu, a única coisa que conseguiremos será fazer com
que o veneno se estenda por todo nosso corpo. É muito melhor tomar medidas
imediatas para extrair o veneno (3).
Francisco Ugarte faz uma correlação entre sentir e
ressentir, que nos ajuda a entender melhor a natureza do ressentimento e como a
reação pode ser determinante para transformar um sentimento:
“Quem está ressentido sente-se ferido ou ofendido por
alguém ou por alguma coisa que fere a sua pessoa. E é bem sabido que não é
fácil lidar com os sentimentos. Algumas vezes, não somos conscientes deles, e,
portanto, podem atuar dentro de nós sem que percebamos; há quem experimente uma
especial dificuldade em amar os outros porque não recebeu afeto na infância,
mas não é capaz de resolver o problema por desconhecer a causa. Outras vezes,
acontece que o ressentimento é reforçado por razões que justificam, quando a pessoa
não só se sente ferida, mas se considera ofendida; este processo intelectual
agrava o ressentimento, mas nem por isso deixa de ser um movimento emocional,
uma vivência sensível: se um homem é insultado pela esposa, sente o agravo e
nasce nele o ressentimento, mas se, além de senti-lo pensa que ela o odeia,
esta consideração reforçará o sentimento que experimenta.” (4).
O ressentimento então é a resposta negativa que damos a uma
ação contra nós. Pessoas agirão de forma diferente diante da mesma agressão.
2 – COMO SE DESENVOLVE O RESSENTIMENTO
O ressentimento ou amargura não são estáticos. Eles brotam,
se desenvolvem dentro de nós e se avolumam contaminando a outros (Hb. 12:15).
Inicialmente o ressentimento era apenas um sentimento, mas
de alguma forma ele foi agravado. Ele cresce quando a ofensa é retida e fica
presa em nossa consciência. Re-sentir é sentir várias vezes a ofensa como se
ela repetisse constantemente em nossa mente. É como se sofrêssemos de novo a
ofensa a cada instante.
Francisco Ugarte faz uma correlação entre a lembrança e o
ressentimento.
“Uma ofensa pode ser recordada à margem do ressentimento,
pela simples razão de que não se traduziu numa reação sentimental negativa e,
em consequência, não foi repetida emocionalmente. Já o ressentimento é um ressentir,
um voltar a sentir a ferida que permanece no íntimo, como um veneno que altera
a saúde interior:
A agressão fica presa no fundo da consciência, talvez
desapercebida; ali dentro, incuba e fermenta a sua acritude; infiltra-se em
todo nosso ser e acaba por ser a reitora da nossa conduta e das nossas menores
reações. Este sentimento, que não se eliminou, mas se reteve e se incorporou à
alma, é o ressentimento” (5).
E o que o ressentimento em desenvolvimento causa em nós?
A – Efeitos Físicos e Emocionais – O ressentimento mina a
saúde de uma pessoa que o nutre. Vejamos alguns testemunhos citados por Stanley
Jones:
Certo afamado optometrista, sabendo que a raiva turva a
visão, quando se via perturbado pela raiva, costumava tirar seu carro da
estrada e parava um bocado na viagem, até que a raiva passasse de todo.
Reconhecia haver inteira verdade no dito: “A raiva me deixa cego”.
Um homem disse-me, certa vez, a suspirar: “Minha cunhada
vive a perturbar a digestão da família toda”. Sim, onde você encontrar uma
atmosfera de má vontade, aí você encontrará digestões difíceis e embaraçadas.
Um moço ficou furioso com certo empregado duma garagem o
qual retirara de seu carro um pneumático e o picara todo a canivete, dizendo
que o pneu já não prestava para mais nada. Teve ímpetos de matar o dito
empregado. Alimentou tal desejo a ponto de tornar-se um esquizofrênico. Sim, a
raiva perturbou e dividiu a personalidade do rapaz, fazendo dele um pobre
atrapalhado.
Um homem me disse certa vez: “Seis homens me maltrataram
muito. Não me vinguei. Todos os seis – com tristeza digo – acabaram
suicidando-se”. A verdade é que, se não atentam contra a vida física,
suicidam-se as mais das vezes espiritualmente, o que é ainda pior. Tudo quanto
há de bom perece nas garras do ódio e da vingança.
Certa senhora me disse: “Achei a causa de minhas dores de
cabeça. Eu sempre ficava zangada com minha colega de quarto. Confessei-lhe
isso, e as dores sumiram”. O mundo é uma constante enxaqueca, porque não passa
dum contínuo odiar. Jamais nos livraremos dessa enxaqueca mundial se em tempo
não nos libertarmos do ódio.
Um banqueiro vivia sempre doente. Guardava ressentimentos
para com os diretores do banco. Saiu do banco, abandonou seus ressentimentos,
e, mais que admirado, viu-se a passear nas ruas, assobiando. “Ué! Estou bom,
agora!” – disse ele. E estava mesmo, porque os ressentimentos, com seus
conseqüentes conflitos, se tinham ido, todos.
Uma senhora de setenta anos entregou-se a Cristo e se viu
liberta dum peso íntimo que carregava toda a vida. Disse ela: “Vivi toda a vida
com uma pedra no coração. Desde o dia em que minha mãe me disse – ‘Eu te odeio’
– porque me opus a que se unisse a outro homem, trago essa pedra de
ressentimento dentro de mim. Dou graças porque afinal tudo passou”.
Quando estive no México, ouvi falar dum homem que ficou tão
zangado com um filho que se tornou verde e acabou morrendo. Os mexicanos criam
que a bílis, a cólera, o matou. Seja qual for a conclusão cientifica, sabemos
que dentro de nós morre alguma coisa, quando permitimos que o ódio e os
ressentimentos achem guarida em nosso coração. A boa vontade é sustento; o ódio
é veneno. A boa vontade é uma alternativa imperiosa: se a temos na vida,
vivemos; se a rechaçamos, morreremos (6).
B – Efeitos Espirituais
A Bíblia fala da possibilidade de nos irarmos: Irai-vos,
mas não pequeis (Ef. 4:26) O próprio Deus usa deste atributo para governar o mundo
(Rm. 1:18), conquanto seja Ele compassivo e perdoador (Êx. 34:6). Às vezes nos
iramos contra a injustiça e o mal. O próprio Senhor Jesus experimentou tal
sentimento (Mc. 3:5) no entanto a ira do homem precisa ser delimitada e
passageira (Ef. 4:26). A ira justa ou santa se torna um sentimento pecaminoso
com muita facilidade. A linha que divide um sentimento justo de um
ressentimento é muito tênue. Jay Adams analisa assim a questão:
“Paulo distingue entre a ira pecaminosa e a santa, ele
adverte: “Irai-vos, e não pequeis. A ira justa pode tornar-se injusta de duas
maneiras: (1) pela manifestação da ira; (2) pela internalização da ira. Esses
dois extremos são popularmente conhecidos como explodir e fechar-se. Quando a
pessoa explode, suas energias emocionais são disparadas contra alguém. Quando
ela se fecha, as tensões são liberadas contra si mesma. Em ambos os casos, as
energias emocionais da ira são desperdiçadas. Em ambos, elas são usadas
“destrutivamente” e não construtivamente para a solução de problemas (7).”
A ira, que é uma reação a uma ofensa pode se tornar em
ressentimento e perder o seu valor inicial e se instalar uma situação de
pecado. Em tal circunstância o pecado instalado atrai sobre si as conseqüências
espirituais tão difundidas na Bíblia, como a obstrução das orações, a tristeza
segundo Deus (2 Co 7:10), a disciplina do Senhor e coisas assim.
3 – COMO SE CURA OS RESSENTIMENTOS
Se o ressentimento pode ser definido como um veneno, uma
intoxicação de nossa alma, ele precisa de um antídoto, de algo que o elimine de
nós. Eis aqui algumas sugestões:
A – O exercício da razão e da vontade – Se formos convencidos
de que o ressentimento nos intoxica, nos destrói por dentro, o primeiro passo
para a cura foi dado. A nossa inteligência tocada pelo Espírito Santo nos
informará que há um mal em nós que precisa ser retirado imediatamente.
Ugarte analisa assim esta questão:
“O conhecimento próprio, mediante a reflexão periódica
sobre nós mesmos, por exemplo, permite-nos ir ligando as manifestações dos
nossos ressentimentos às causas que lhes deram origem e, nesta medida, põe-nos
em condições de entender o que se passa conosco, e isto favorecerá uma solução
posterior.
Se, ao analisarmos os agravos recebidos, fazemos um esforço
por compreender a forma de agir do ofensor e por descobrir as atenuantes do seu
modo de proceder, a nossa reação negativa não só não será reforçada por essa
reflexão, como desaparecerá, em muitos casos, por enfraquecimento do estímulo:
quando um filho é repreendido pelo seu pai por ter agido mal, se for capaz de
entender que o pai só fez isso com a intenção de ajudá-lo, poderá facilmente
ficar agradecido. Isto reflete em que medida a nossa inteligência – descobrindo
os motivos da atitude que nos desagradou ou proporcionando-nos as razões – pode
influir para evitar ou eliminar os ressentimentos (8).”
O exercício da vontade é o ato de cognitivamente
rejeitarmos que uma ação de outrem cause em nos um impacto tão negativo quanto
o ressentimento. As pessoas podem ferir-nos emocionalmente até onde nós
permitirmos. O exercício espiritual proposto pelo Apóstolo Paulo em Efésios
4:26 depende da decisão que tomamos e da imposição de nossa vontade sobre a
nossa consciência de não retermos o sentimento. É uma espécie de menosprezo à
ofensa a nós imposta, seja ela objetiva, subjetiva, real ou imaginária.
B – Os exercícios espirituais
O ressentimento, chamado até aqui de um veneno que intoxica
é acima de tudo um pecado. Ele é uma reação natural da natureza adâmica que
temos. É a prova de que habita em nós uma natureza pecaminosa que produz suas
obras tão bem descritas por Paulo em Gálatas 5:19 a 21, que são: imoralidade
sexual, ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja;
embriaguez, orgias e coisas semelhantes.
O nosso pecado é nos perdoado quando recebemos a Jesus como
Senhor e Salvador. O seu sangue nos purifica de todos eles (1 Jo. 1:7). No
entanto ainda conservamos a velha natureza e a capacidade de pecar tanto quanto
antes da conversão a Cristo. Daí a necessidade de exercícios espirituais. Elben
César fala de práticas devocionais, outro nome para o mesmo bem. Diz ele:
“As práticas devocionais são exercícios de sobrevivência e
de plenitude espiritual. No critério de Paulo, “o exercício corporal é bom,
porém o exercício espiritual (a prática de conservar-se espiritualmente apto) é
muito mais importante, e é um revigorante para tudo o que você faz” (1Tm 4.8
BV). As práticas devocionais abarcam todos os exercícios que produzem,
aperfeiçoam e sustentam a perfeita comunhão do pecador salvo e redimido por
Jesus Cristo como próprio Deus. Elas acabam com a distância que há entre Deus e
o homem e levam o crente ao ponto máximo da comunhão, tornando-o amigo de Deus
(2 Cr 20.7; Jo 15.14,15). Graças a essa perfeita e contínua ligação com Cristo,
o cabeça da Igreja (Ef 5. 23), o corpo, “suprido e bem vinculado por suas
juntas e ligamentos, cresce o crescimento que procede de Deus” (C 2. 19).
As práticas devocionais demandam trabalho, esforço e tempo.
Assim como a criança pode sorver o leite materno e a mama produz o leite à
medida que é sugado, o crente não pode ser leviano na busca de Deus. Assim como
as plantas que vivem mais de um ano no deserto do Saara são obrigadas a ter
raízes muito compridas para colher a umidade nas profundezas do subsolo, o
crente precisa se adaptar até descobrir e explorar os veios cheios de água viva
para se manter vivo e vigoroso.” (9)
Elben sugere que nos exercitemos na leitura da Bíblia, oração,
confissão, restauração, discernimento, dentre outros, que nos ajudam a manter a
higiene de nossa alma e a não nos predispormos para o pecado.
C – A liberação do perdão - Para atingirmos em cheio o
veneno do ressentimento o exercício mais almejado deve ser o do perdão.
Quem objetivamente e realmente agiu contra nós, precisa ser
perdoado. Este é o remédio mais eficaz contra o ressentimento. É o perdão que
damos que expulsa as toxinas de nossas emoções.
É neste ato de amor que combatemos o ódio instalado.
Ugarte nos ensina que aquele que não teve intenção de
ferir-nos, mas o fez deve ser “desculpado”, mas o que agiu livremente ao nos
ofender, deve ser perdoado: Desculpa-se o inocente e perdoa-se o culpado (10).
É o exercício de misericórdia que praticamos a quem merecia
somente justiça. É perdoar o que seria imperdoável. Jesus fala da necessidade
de amar os inimigos e fazer o bem a eles (Mt. 5:43-44). É fazendo assim que nos
assemelhamos ao próprio Deus e Pai: Sede misericordiosos, como vosso Pai é
misericordioso (Lc. 6:36).
Perdão neste sentido é uma decisão que tomamos, não um
sentimento. Não perdôo porque sinto vontade de perdoar, mas porque decido
fazê-lo.
A minha decisão de perdoar não revela qualquer bondade em
mim, mas um sentimento que tenho de obedecer a Deus. O Senhor nos manda perdoar
(Mt. 5:43-44; G. 12; Lc. 6:28-29; Ef. 4:32; Cl. 2:13; 3; 13) e esta é a nossa
motivação maior.
A resistência em não perdoar, além de me manter intoxicado
emocionalmente, impede que o próprio Pai Celeste perdoe os meus pecados:
“E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos
perdoado aos nossos devedores. Porque, se perdoardes aos homens as suas
ofensas, também vosso Pai Celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos
homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas”
(Mateus 6:12, 14, 15).
Como bem expressou Ugarte:
“O perdão é um ato de vontade porque consiste em uma
decisão. Qual é o conteúdo desta decisão? O que é que decido quando perdôo?
Quando perdôo, opto por cancelar a dívida moral que o outro contraiu comigo ao
ofender-me e, portanto, liberto-o enquanto devedor.
Não se trata, evidentemente, de suprimir a ofensa cometida,
de eliminá-la e fazer que nunca tenha existido, porque não temos esse poder. Só
Deus pode apagar a ação ofensiva e conseguir que o ofensor volte à situação em
que se encontrava antes de cometê-la. Mas nós, quando perdoamos realmente,
desejaríamos que o outro ficasse completamente eximido da má ação que cometeu.
Por isso, pois só assim a ofensa é aniquilada” (11).
As conseqüências de perdoar são inúmeras:
Ao perdoar demonstramos obediência a Deus e nos habilitamos
para receber o seu próprio perdão (Mt. 6:12-15).
Ao perdoar demonstramos amor ao ofensor e o amor anula o
pecado ainda que ele seja diverso. O amor cobre multidões de pecado (1 Pe.
4:8). O amor verdadeiro não se ressente do mal (1 Co 13:5).
Ao perdoar temos a condição de restabelecer a relação que
tínhamos antes com o ofensor. A prova de que houve realmente perdão é quando a
relação é restabelecida. A parede da separação cai, o amor se renova e um
ambiente novo se instala. A ressalva neste ponto é se o ofensor preferir o
distanciamento. No que depender de nós o caminho deverá estar sempre aberto
(Rm. 12:18).
Ao perdoar a saúde emocional se instala em nós. Tiago nos
informa que quando confessamos uns aos outros e oramos uns pelos outros, somos
curados (Tg. 5:16). Ainda que nos lembremos da ofensa, pois perdoar não é necessariamente
esquecer, a lembrança não nos faz sofrer mais. Não haverá ressentimento. Mas
com certeza perdoar é querer esquecer e tomar a decisão de esquecer.
Jorge Luiz Borges narra o que seria uma ilustração do que
se expõe aqui.
“Cain e Abel caminhavam pelo deserto e reconheceram-se de
longe, porque os dois eram muito altos. Os irmãos sentaram-se no chão, fizeram
uma fogueira e comeram. Estavam em silêncio, como as pessoas cansadas ficam
quando o sol se põe. No céu, assomava alguma estrela, que ainda não havia
recebido o seu nome. À luz das chamas, Caim observou na fronte de Abel a marca
da pedra e deixou cair o pão que estava para levar à boca e pediu ao irmão que
lhe perdoasse o seu crime. Abel respondeu: “Foste tu que me mataste ou eu que
te matei? Já não me lembro; aqui estamos juntos outra vez, como antes”. “Agora
sei que na verdade me perdoaste – disse Caim –. Porque esquecer é perdoar. Eu
procurarei também esquecer (12).”
Ao perdoar nos assemelhamos em atitude ao Senhor Jesus que perdoou
os seus ofensores sem que estes ao menos reconhecessem o seu erro (Lc. 23:24).
Estevão se aproximou de tal sentimento também ao perdoar os que o apedrejavam (Atos
7:60). Nos identificamos com o Salvador todas as vezes que perdoamos alguém. Em
última instancia só podemos perdoar verdadeiramente por causa da presença dele
em nós e do seu Espírito que nos fortalece para tamanho exercício de vontade.
Se o ressentimento é
o veneno que nos intoxica, o perdão é o antídoto mais eficaz para curar-nos.
Quando perdoamos nos liberamos para receber o perdão de Deus e a cura para as
nossas emoções e ainda liberamos o ofensor para renascer em nós. O perdão
liberado é quase que um sinônimo das toxinas do ressentimento sendo expelidas
de nós. É um veneno que se extrai do organismo.
Neste exercício além da saúde emocional e espiritual
recebemos a condição de amar novamente aqueles que foram vítimas de nosso
rancor. Com o auxílio de Deus podemos perdoar o que seria para nós, humanamente
imperdoável.
James Houston nos ajuda nesta conclusão com o seguinte
pensamento:
Somente quando nossa vida é transformada por Cristo,
podemos, na realidade, orar pelos nossos inimigos. Depois de nos termos tornado
humildes de espírito, de termos chorado nosso quebrantamento, tendo sentido
fome e sede por Deus, tendo-nos tornado misericordiosos, puros de coração e
pacificadores, então é que podemos orar por aquele que nos perseguem.
O bispo Dehqani-Tafti, de Teerã, foi capaz de orar estas
palavras, depois que seu filho foi assassinado:
“Ó Deus,
lembramo-nos não somente de nosso filho, mas também de seus assassinos – não
porque o mataram no pleno viço de sua juventude, e fizeram nossos corações
sangrar, e nossas lágrimas fluírem; não porque com esse ato selvagem, eles trouxeram
mais desgraça contra o nome de nosso país, entre as nações civilizadas do
mundo; mas porque através do crime deles, agora seguimos Teus passos mais de
perto, no caminho do sacrifício.
O terrível fogo dessa calamidade queima todo egoísmo e
possessões em nós. Suas chamas revelam a profundidade da depravação, da maldade
e da suspeita, as dimensões do ódio e a medida da pecaminosidade da natureza
humana; torna óbvio, como nunca antes, nossa necessidade de confiar no amor de
Deus, conforme o mesmo foi demonstrado na cruz de Jesus e em Sua ressurreição –
um amor que nos liberta do ódio contra nossos perseguidores; um amor que traz
paciência, longanimidade, coragem, lealdade, humildade, generosidade, grandeza
de coração; um amor que nos ensina como nos prepararmos para enfrentar o dia de
nossa própria morte, ó Deus.
O sangue de nosso filho tem multiplicado o fruto do
Espírito no solo de nossas almas. Assim, quando os seus assassinos se puserem
defronte de Ti, no dia do juízo, lembra o fruto do Espírito, pelo qual tens
enriquecido as nossas vidas. E perdoa.”
Uma oração como esta só pode ser explicada por uma vida
inteira, vivida em oração na presença de Deus. Um pai não pode orar assim pelos
assassinos de seu filho, a menos que o faça na “graça de nosso Senhor Jesus
Cristo”. Somente então pode essa graça revelar a verdade da cruz de Cristo (13).
Citações
1 – Max Scheler, El ressentimento en La moral, Caparros
Editores, Madri, 1993, pg. 23.
2 – Stanley Jones, O caminho – Imprensa Metodista, pg. 119.
3 – S. Covey, os sete hábitos de pessoas muito eficazes –
Best Seller, São Paulo, 1989 – pg. 105.
4 – F. Ugarte – Do ressentimento ao Perdão, Editora
Quadrante – São Paulo – 2002 – pg. 10.
5 – F. Ugarte – Do ressentimento ao Perdão, Editora
Quadrante – São Paulo – 2002 – pg. 10.
6 – Stanley Jones – O caminho – Imprensa Metodista – pg.
120 a 123.
7 – Jay E. Adams – Manual do Conselheiro Cristão – Editora
Fiel – São Paulo.
8 – F. Ugarte – Do ressentimento ao perdão – Editora
Quadrante – São Paulo – 2002 – pg. 11.
9 – Elbem César – Práticas Devocionais – Editora Ultimato –
Mg. Pg. 8.
10 – F. Ugarte – Do ressentimento ao perdão – Editora
Quadrante – São Paulo – 2002 – pg. 32.
11 – F. Ugarte – Do ressentimento ao perdão – Editora
Quadrante – São Paulo –
12 – Jorge Luis Borges, Leyendas, em Obras, Emecé, Buenos
Aires, 1984.
13 – James Houston - Orar com Deus – Abba Press – São Paulo
– pg. 296 e 297.